segunda-feira, 2 de agosto de 2010



Mariana Pereira Horta Rodrigues
Maria Lúcia Bressan Pinheiro


O presente trabalho pretende identificar as reflexões urbanísticas e arquitetônicas que orientaram o traçado e a volumetria da cidade de Casa Branca, com vistas à avaliação e preservação do patrimônio arquitetônico atual.
Definiu-se a cidade de Casa Branca, localizada a Nordeste do Estado de São Paulo, no trajeto da Companhia Mojiana de Estradas de Ferro, como o objeto de estudo. Nesta cidade, foram identificados, em um primeiro momento, três vertentes do desenvolvimento urbano, com características urbanísticas e arquitetônicas bem definidas. A primeira, vinculada às origens do povoamento, do século XVIII, constitui-se pela antiga Rua dos Açorianos (atual Rua Waldemar Flores Panico) e segue até o Largo da Igreja do Rosário. O seguinte estende-se deste Largo até a Igreja de Nossa Senhora das Dores, no entorno da qual estabeleceu-se a ocupação vinculada ao desenvolvimento da atividade cafeeira na região, já em fins do século XIX. Num desenho linear, a "Rua da Estação" (Rua Coronel José Júlio) liga os primeiros eixos de ocupação urbana até a estação velha da Estrada de Ferro Mojiana, constituindo a terceira vertente do desenvolvimento urbano, relacionada a esse novo meio de transporte, que consolidou esta cidade como um centro regional até meados da década de 1930.
Diante de períodos históricos tão distintos e de características arquitetônicas peculiares, delimitou-se o escopo da pesquisa ao período inicial de estabelecimento do povoamento, com destaque, portanto, às origens da Freguesia de Nossa Senhora das Dores de Casa Branca.
A história da cidade de Casa Branca poderia ser confundida com a história de muitas outras do interior paulista situadas ao longo do Caminho de Goiás. As terras, antes ocupadas pelos índios caiapós, passaram a ser percorridas pelos bandeirantes, que, seguindo as nascentes dos rios, chegaram até Vila Boa de Goiás, onde encontraram ouro. A trilha do Anhangüera seria, a partir de então, caminho de viajantes em busca de fortunas. O Brasil interiorizava-se a partir da Vila de São Paulo de Piratininga em direção a Minas e Goiás onde muitos pousos surgiram na passagem de rios e, destes, arraiais, freguesias, vilas e cidades.
Casa Branca insere-se nesse processo: foi pouso para viajantes, apesar de não ser passagem de rio, mas entroncamento de caminhos; possuía sesmarias, concedidas ao longo do Caminho de Goiás; e continha capela e vigário. Seu início de urbanização é considerado um processo espontâneo, no qual a população inicial era paulista e mineira, mas houve a intervenção por parte da Coroa lusitana, através de uma linha portuguesa de ordenação do território, defendida e introduzida no Brasil por Dom João VI. O arraial tornou-se Freguesia por Decreto Régio e incentivou-se a colonização açoriana nessas terras. Nesse aspecto, a cidade de Casa Branca diferencia-se, ao considerarmos o contexto da Capitania de São Paulo. Apesar das intervenções urbanísticas portuguesas terem ocorrido em outras localidades do Brasil colonial, como em Vila Boa, há a necessidade de se discutir os interesses do governo português na região de Casa Branca. Sobre essas análises, vários contextos embasam-nas: as "políticas" de colonização do Brasil e os "mecanismos" de interiorização e conquista do território; os interesses econômicos do governo português e as crises do reinado luso na Europa; e os interesses da Espanha na conquista do território oriental da América.
A história de Casa Branca confunde-se, portanto, com a própria história do Brasil. A escala reduzida da problemática não lhe tira o mérito da exploração científica. Trata-se de um microcosmo da história brasileira nesse país onde, muitas vezes, a cultura é esquecida e o povo perde sua identidade. São esses primeiros passos, oriundos da observação histórica, que indicarão o caminho para a preservação do patrimônio cultural dessa cidade, atualmente entregue aos interesses aleatórios, não públicos, que a consomem e a desfiguram.
Ao longo desta monografia, discutimos a respeito do histórico, da evolução urbana, do urbanismo e do patrimônio cultural de Casa Branca com o intuito de trazer à tona o valor cultural dessa cidade do interior paulista. Enquanto nos estudos anteriores sobre essa localidade destacava-se a colonização açoriana e a intervenção da Coroa portuguesa, pretendemos conhecer também a ocupação sertanista, dos "paulistas" e "mineiros". Levantamos dúvidas sobre conceitos afirmados há tempos e questionamos o desenho urbano, o traçado de ruas e praças, chegando a uma nova proposta de evolução urbana detalhada em cinco períodos distintos. Houve uma grande procura do entendimento desse espaço, em seus aspectos físicos, arquitetônicos e urbanísticos, e em seus aspectos culturais, para que pudéssemos propor formas de intervenção para garantir a preservação de seu patrimônio coletivo.
Para uma efetiva ação e intervenção, como um planejamento urbano abrangente, ou como um planejamento territorial, a agregar urbano e rural, tomam-se como premissa as considerações de Gustavo Giovannoni sobre o patrimônio histórico em escala urbana. A cidade, considerada em seu conjunto do novo e do velho, como cidade historicizada, deve ser abordada como um organismo único, composto por seus pormenores. Dessa forma, os bens de interesse histórico específico não devem ser dissociados do conjunto da cidade, da sua morfologia, da sua ocupação, dos seus usos, da vida citadina. Para tanto, a cidade deve ser submetida a um planejamento urbano que também incorpore questões de preservação do patrimônio histórico local, identificado com o que poderia ser chamado de arquitetura do cotidiano, a arquitetura residencial ou, até mesmo, comercial. Uma arquitetura não exuberante, mas significativa como representação dos modos de vida de uma época. É assim classificada a arquitetura de Casa Branca a ser preservada. Uma arquitetura e um desenho urbano de uma época em que a vida citadina, nesse sertão, era simples e pacata. Uma vida caipira, sertaneja. A cultura de cidades do interior paulista.

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Localização do Município de Casa Branca em relação ao Estado e ao Município de São Paulo. Fonte: Enciclopédia dos Municípios Brasileiros, vol. XI.


bibliografia
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· VIOLLET-LE-DUC, Eugène Emmanuel. Restauração. Tradução Beatriz Mugayar Kühl. São Paulo: Ateliê Editorial, 2000.
O Ensino da História nos primeiros ciclos do Ensino Fundamental



De acordo com Oliveira, os educadores ao trabalharem a disciplina história, nos primeiros ciclos do Ensino Fundamental, têm enfrentado um grande desafio em relação aos conteúdos ministrados. Pois estes devem provocar nos alunos a análise, reflexão e problematização da história com o quotidiano dos mesmos, de forma a possibilitá-los uma vivência sistemática e crítica da realidade em que estão inseridos.

Para isso, é importante que desde muito cedo as crianças entendam sua relevância no mundo, questionem e problematizem através de situações que lhes possibilitem compreender novos valores e analisar os acontecimentos da atualidade fazendo assim um paralelo com os fatos do passado. No entanto sabemos que a disciplina vem sendo ministrada na maioria, das vezes de forma descontextualizada, como se estagnada num passado muito remoto.

Sabemos ainda, que a história é construída de fatos articulados por homens idealizadores, seguindo uma sequencia lógica de interpretações, sentidos e problematizações. Pois a história é viva, dinâmica e inerente à vida de cada indivíduo. Porém na contramão, temos uma corrente conservadora e, ás vezes, reacionária - o historicismo. Que defende a idéia de que os fatos e os eventos se explicam por si só, rejeitando toda e qualquer forma de inovação ou mudança.

Surgindo assim, o positivismo, que pregava que o conhecimento, para ser válido deveria ser científico, ou seja, o conhecimento puro, transparente e perfeito, só seria possível quando um determinado pesquisador apenas descrevesse os fatos e eventos como eles ocorriam, sem analisá-los ou refletir sobre eles.

Posteriormente, surge na historia uma revolução, tentando a todo o momento implantar o futuro no presente, ressaltando a idéia que o presente é uma constante novidade. Deixando assim de ser a história mais uma ciência que capta os dados prontos.

Pois a história tem como objeto de estudo as transformações sociais de uma determinada sociedade, que a todo o momento está em constante mudança e construção. É algo vivo e inerente à humanidade

sexta-feira, 30 de julho de 2010



CARDOSO, Flamarion S.Cardoso. Uma Introdução à História: São Paulo: Brasiliense, 1981.


Ciro Flamarion Cardoso pode ser considerado um historiador de renome mundial, no campo da epistemologia da História, tem produzido livros e artigos que vem fomentar as discussões e o debate historiográfico. Cardoso em seu livro Uma introdução à história, levanta questionamento sobre a “cientificidade da história”. Este é o tema central do livro. Será a História Uma Ciência? A principio ele coloca o pensamento de um dos representantes da corrente da tendência neopositivismo que segundo Karl Popper, só em matemática a lógica. O autor deixa claro que para o neopositivismo a história não é e nem pode ser uma ciência. Mas segundo K.Marx e F.Engeles, não a dúvida de que a história possa ser plenamente cientifica. O marxismo busca localizar os fatos repetitivos e os fatores que, para um dado tipo de sociedade são ivariantes. Ainda Paul Veyne diz que: o historiador poderá no máximo aspirar a atingir certas zonas de cientificidade em meio à caótica totalidade dos acontecimentos. Marc Bloch, um dos fundadores de uma linha de tendência renovada definiu a história como ciência: para ele, não se trata da ciência do passado como pretendia alguns, mas da ciência dos homens no tempo. Entretanto pode se observar que a cientificidade da história é contestada por muitos estudiosos, constituído, pois um problema ao qual deve se responder ou ser resolvido no decorrer do livro. Pierre Vilar diz que a conquista do método cientifico em história ainda está se elaborando, e que, portanto a história é uma ciência em construção. A questão a ser respondida é “história é uma ciência?”. Através de varias vertentes filosóficas o autor vem problematizando o assunto. Levando o leitor a questionar e a indagar sobre a questão. Ele não impõe ao lestudante, uma verdade absoluta sobre a cientificidade, mas instiga o leitor a analisar os fatos e daí tirar suas conclusões através de várias teorias. Logo está é uma dificuldade a se resolvida no decorrer do livro. Ciro Flamarion S.Cardoso deixa evidente no texto a questão de que a ciência é considerada como um tipo especial de conhecimento. O autor diz que existem milhares de afirmações no senso comum que pelo povo parece verdadeira, mas não a uma comprovação científica que comprove sua veracidade. Estas e outras questões para ele são formas não cientificas considerada como: critérios subjetivos, critérios indutivos, critérios dogmáticos, critérios pragmáticos, segundo o autor a ciência não baseia em nem uma dessas modalidades. O autor vem expondo ao longo da questão a existência de um grande dilema entre as concepções da ciência. Essa forma tradicionalmente dominante da filosofia da ciência, que o caminho tem como única verdade absoluta, de não aceitar outros conhecimentos denominados como seguros acabaram entrando em choque frontal com o desenvolvimento da cientificidade da história. Entretanto a concepção adequada do que é ciência, embora limitada voluntariamente às ciências factuais devesse conter uma série de requisitos para assim ser considerado verdadeira, e lógico a matemática não se enquadraria nesse campo, pois já é uma ciência comprovada pelos cientistas.
Cardoso, ainda diz que, embora as concepções positivistas e historicistas tenham predominado entre os historiadores até o século XX. Mas nas últimas décadas, diversas pesquisas identificaram a presença de duas grandes correntes teórico-metodológicas que dominaram o campo de investigação da história. A história dos annales com a marxista, aparece numerosos pontos em comuns, mas não são iguais. O marxismo fruto da analise do passado que segundo seus representantes, é feita a partir do prisma da concepção de classe visando à busca de uma práxis revolucionaria. A outra corrente compreendida de escola dos Annales, sobretudo a partir dos escritos de Lucon Febyre Marc Bloch aparecem numerosos pontos em comum. Em conclusão ao capitulo Cardoso diz: A história é uma ciência em construção, pois o método de sua pesquisa ainda não é completo, os pesquisadores estão descobrindo os meios de analise adequados ao seu objetivo.
No segundo capitulo do livro, Cardoso fala sobre O método Científico da História. Segundo ele uma das dificuldades na construção da história como ciência trata de um problema comum a história e as outras ciências sociais, e tem a ver com o processo de construção de teorias. Porém o autor coloca quer as deficiências das teorias sociais dificultam, portanto, o manejo adequado de hipótese metodológico. Salienta ainda: isso leva, porém, a um pessimismo radical. Isso porque as ciências têm uma história, que não carece de lógica interna. O conhecimento histórico se basearia na observação indireta dos fatos através dos testemunhos conservados. Ele coloca a questão do fetichismo, usado para justificar a obsessão dos historiadores pelas fontes. E dos fetichismos do documento em particular das fontes escritas que era considerado pelos historiadores tradicionais, como a única condição de saber analisar de forma critica, como se estas por si só fossem suficientes. Marc Bloch disse, com muita razão são como testemunhas: Só falam utilmente se soubermos fazer-lhes as perguntas adequadas. Os documentos segundo o autor não são condição suficiente para que a história exista como disciplina; mas são insubstituíveis. Cardoso coloca também que são necessários os conhecimentos prévios de algumas das disciplinas auxiliares da história no qual constituem um dos fundamentos da erudição critica do historiador.
No terceiro capitulo os passos das pesquisas históricas, constitui um dos pontos paralelos do livro em que o autor vem tratando do projeto de pesquisa o que deve compor um projeto de pesquisa para ser completo, ele vem explicando detalhadamente cada parte de um projeto de pesquisa, ficando bem evidente na hora da elaboração do projeto pelo aluno.
Cardoso conclui o livro com uma pergunta: Para que serve a História? Mediante os historiadores da linha Bloch e Febyre, e ainda com, mas força, pelo marxismo. A História é a ciência das transformações das sociedades humanas no tempo e, portanto uma ciência social. Percebemos então que a perspectiva abordada pelo autor é extremamente marxista. Entretanto essa forma de definir a história é contesta por muitos estudiosos. Cardoso diz que: muitos desses pensamentos contrários à existência da história como ciência, estão mais preocupados em dizer nos que ela não é uma ciência do que em explicar-nos por que ela não pode ser uma ciência. Portanto termina o livro falando da grande responsabilidade que deve ter o historiador brasileiro. A história deve estar voltada para o coletivo e social, convém muito mais elaboração de pesquisas históricas e ensino Histórico que estejam voltados para superação do método. Superando a situação de um ensino linear, patriótico, favorecendo falsos heróis criando mitos que só servem para ratificar as antigas estruturas do ensino, tornando os conhecimentos históricos enfadonhas, e de pouca importância.
Assim o livro de Cardoso passa ter grande importância para a historiografia brasileira, salientando sobre a responsabilidade que cada historiado tem de por a suas capacidades profissionais a serviço das tarefas sociais.















terça-feira, 20 de julho de 2010

O ensino da História como responsabilidade social

Ana Maria Pereira

Segundo muitos pensadores contemporâneos, vivemos na pós-Modernidade. Não cabe discutir este conceito aqui, mas constatamos que pelo menos num aspecto, todos os pós-modernos concordam: atravessamos uma crise de paradigmas. Contexto em que o conhecimento é sistematicamente colocado à prova, ao mesmo tempo em que se afirma o relativismo das verdades historicamente construídas pela Modernidade. É nessa configuração, que discutimos o ensino de História.
O ensino dessa disciplina, até a década de 70, centrava-se na concepção diríamos, positivista e reprodutivista da História. Positivista pela crença de que o desenvolvimento histórico e resultante de uma "ordem" e de um "progresso" naturais, desdobrando-se numa sucessão de fatos explicados para uma relação lógica de causas e efeitos, cujos atores são sempre os grandes nomes da História política. Reprodutivista porque tal modelo, ao destituir o aspecto dialético e crítico dessa disciplina, serviu como instrumento de reprodução ideológica do Estado Militar.
A penetração da análise econômica da História, nos níveis Fundamental e Médio, sobretudo a partir da década de 80, subverteu esse modelo, abrindo o campo da explicação social para uma visão de totalidade histórica. Sob influência do Marxismo, da Nova História e da Historiografia Inglesa, alguns livros didáticos se renovaram e outros surgiram, incorporando avanços acadêmicos que contribuíram para maior criticidade na abordagem histórica.
Outro fator determinante para a mudança no ensino de História foi a própria exigência do Vestibular. Desde os anos oitenta, principalmente nas Universidades públicas, por meio dos Exames Seletivos dos Vestibulares, passou-se a exigir do aluno maior capacidade crítica na interpretação da História, minimizando, cada vez mais, a necessidade de memorização dos tradicionais nomes, datas e fatos isolados de seus contextos sócio-econômicos. Esse fator, certamente somou-se aos esforços que ajudaram até certo ponto, a romper com o ensino alienado de História em sala de aula. Dessa forma, muitos professores ao incorporarem uma visão crítica de sua disciplina, deixaram de ser meros reprodutores para assumirem o papel de pesquisadores do conhecimento histórico.
O aluno por sua vez, também se modificou. Em razão das mudanças internas do país, dos avanços pedagógicos e das consequências do contexto da revolução informacional mundial (era da informação), perdeu seu caráter de receptor passivo, na medida em que pelas mesmas razões, o professor perdia o monopólio absoluto do saber (se é que de fato o possuía).
Evidentemente, não significa que o professor desaprendeu ou que não conhece mais o suficiente para ensinar. Ao contrário, o professor aprendeu mais, exatamente pela consciência que adquiriu sobre suas próprias limitações e pela complexidade que se revelou o conhecimento histórico com os novos estudos e enfoques. Entretanto, a História foi destituída de seu status de consolidadora do passado, tomando-se o que de fato ela é: uma ciência em construção.
Nesse sentido, o papel do professor de História (e das outras disciplinas) extrapola o conteúdo de sua disciplina, levando-o à condição de mestre e de aprendiz. A lousa não deixa de existir, as provas continuam a ser cobradas, o livro didático permanece como ferramenta de aprendizado, mas o conhecimento, pela dinâmica transdisciplinar adquirida na contemporaneidade, não se limita a esses elementos.
Ocorre de certa forma, uma desterritorialização do espaço de aprendizado, visto que, sem eliminar a aula expositiva e os exercícios de sala de aula, aprende-se e ensina-se História em muitos espaços e por muitos meios: pela ida ao museu ou exposição de arte, pelo uso de um vídeo, por uma pesquisa ou um programa em multimídia, por leituras paradidáticas ou de revistas e jornais, etc. Práticas que têm se tornado cada vez mais comuns no cotidiano das aulas de História em nossa escola.
Neste novo cenário, ensinar História significa impregnar de sentido a prática pedagógica cotidiana, na perspectiva de uma escola-cidadã. Vale dizer, que a escola é reprodutora, na medida em que trabalha com determinados conhecimentos produzidos e acumulados pelo mundo científico, mas transformadora, visto que promove uma apropriação crítica desse mesmo conhecimento tendo em vista a melhoria da qualidade de vida da sociedade global.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

LIVRO DIDÁTICO: APOIO AO PROFESSOR OU VILÃO DO ENSINO DE HISTÓRIA?

Nicholas Davies

O livro didático (LD) não pode ser compreendido isoladamente, fora do contexto escolar e social. É um produto cultural - com suas especificidades, é claro - e, portanto, conformado segundo a lógica da escola e da sociedade onde está inserido. Numa sociedade de classes, capitalista, como a brasileira, o LD não poderia fugir à lógica que rege esta sociedade, em que as classes dominantes procuram, não só garantir e ampliar a acumulação de capital (e o LD deve ser visto como atividade econômica que possibilita isso), como também veicular as visões que lhes interessam e neutralizar possíveis oposições.
O LD tem, assim, tanto uma dimensão econômica quanto político-ideológica. A sua dimensão econômica pode ser definida pelo fato de que responde por cerca da metade do mercado editorial brasileiro. O seu aspecto político-ideológico define-se por conteúdos que, em várias disciplinas, veiculam uma visão de mundo favorável às classes dominantes, como já mostraram Nosella, Gisálio Cerqueira e Gizlene Neder, Maria Laura Franco, Elza Nadai e tantos outros. Já foi salientado à exaustão, por exemplo, como os livros didáticos de História procuraram e procuram ainda construir uma memória oficial, onde têm vez os "grandes homens" das classes dominantes, o nacionalismo, e onde os conflitos sociais são omitidos ou atenuados.
Se esta interpretação, inspirada em Althusser e Bourdieu e Passeron, de que os conteúdos dos LD de História refletem a ideologia das classes dominantes teve o mérito de sacudir a ingenuidade dos professores que encaravam e ainda encaram estes conteúdos como a "verdade histórica", definitiva, e não como uma construção efetuada pelos ideólogos das classes dominantes, apresentava e ainda apresenta o equívoco de não perceber a contradição presente, em maior ou menor medida, na ideologia e, portanto, nos LD de História. Um exame, ainda que superficial, dos LD de História revelará, por exemplo, que eles contêm, não apenas as visões das classes dominantes, mas também elementos de negação destas visões. Em sociedade de classes, necessariamente contraditória, a ideologia também o será. E é com esta contradição que precisamos trabalhar para enfrentar a questão proposta no título deste trabalho.
O livro didático de História tem cumprido a função de veicular a ideologia das classes dominantes e possibilitar a reprodução da ordem burguesa. Muitos deles veiculam um conteúdo “factual”, fragmentado, em que inexiste a idéia de processo, estrutura e temporalidades que não sejam a curta, episódica. Neste sentido, podem ser vistos como um instrumento de degradação do ensino de História (não vilão). Porém, o professor, se tiver uma formação teórica e política sólida, poderá trabalhar as limitações do LD. Se tiver clareza do que quer, e condições de trabalho e salariais, poderá, por exemplo, explorar com os alunos uma comparação entre vários LD, de modo a levá-los a produzirem um conhecimento comparado e a perceberem, através das diferentes interpretações sobre um determinado fato histórico, que a verdade histórica é relativa, provisória, e está sempre em construção e que não há verdades absolutas em História. Em outras palavras, o professor e os alunos, em vez de serem guiados e usados pelos LD, poderão, num processo de construção coletiva do conhecimento, usar tais livros, transformando-se, assim, em sujeitos da História (dimensão política que deve ser desenvolvida no ensino da História) e sujeitos do conhecimento (dimensão epistemológica).
É, pois, um equívoco pensar que, só porque o LD tem estado a serviço do poder e da construção de uma memória oficial, ele deve ser descartado. Nas condições atuais da escola pública brasileira e do professor, em violento processo de empobrecimento, o LD não pode ser descartado com base na suposição (ingênua) de que a escola e o professor terão, por si sós, condições teóricas, metodológicas e financeiras para construir algo melhor. Novos materiais didáticos (recortes de jornais, músicas, fotografias, histórias em quadrinhos, filmes etc.) não serão necessariamente menos positivistas, “factuais” e ideológicos do que os LD e, portanto, não resolvem o problema do LD. Se o professor não tiver uma formação e condições salariais e de exercício profissional adequadas, novos materiais ou linguagens poderão apresentar os mesmos problemas que o LD tradicional. Equivocam-se aqueles que pensam que certos problemas fundamentais do ensino de História serão resolvidos apenas com novas linguagens, novos objetos ou temáticas.
Não se deve, pois, considerar o LD como o grande vilão do ensino de História, até porque ele é apenas um dos elementos do processo de ensino-aprendizagem. O fato de ele ter um peso grande na definição dos conteúdos e até mesmo dos currículos e da preparação das aulas não deve ser interpretado como uma falha dele, mas sim de todo o sistema escolar. Uma escola sem bibliotecas e outros recursos pedagógicos - em que o professor carece de sólida formação teórica e metodológica e condições de estudar para preparar aulas mais ricas, em que o aluno, sobretudo o das escolas públicas, não tem tempo ou condições financeiras para estudar - acaba por atribuir ao LD um peso enorme, o que não aconteceria se as condições de ensino fossem diferentes. O problema não está, pois, no LD, mas sim no sistema escolar que dificulta um bom trabalho escolar, no qual o LD, se existente, seria apenas um dentre tantos materiais didáticos.
Entretanto, não devemos pensar que, numa escola ideal, como sumariada acima (bons e amplos recursos didáticos, boa formação teórica dos professores, salários decentes, alunos em boas condições de estudo), os problemas mais graves do LD seriam resolvidos. O conhecimento pronto, fragmentado, neutro, sem uma perspectiva de totalidade, temporalidades curtas, episódicas, narrativas lineares, a construção de heróis, a difusão da visão de mundo das classes dominantes, a negação ou depreciação das classes populares, o racismo, o machismo, o individualismo, o nacionalismo, a justificação da desigualdade social, não são particularidades do LD. Ao contrário, são elementos difundidos pelos vários meios de que dispõem as classes dominantes e configuram um ensino de História que, fora dos muros da escola, nela adentram poderosamente. Assim, os problemas que o LD apresenta não serão resolvidos plenamente com escolas "ideais" ou com livros didáticos que solucionem estes problemas, uma vez que a escola, o livro e o professor fazem parte de uma sociedade de classes, cuja lógica maior é a constituição do indivíduo passivo, obediente, dócil, que encare a realidade atual como o "fim da História", um indivíduo que não se veja como sujeito do conhecimento e da história, que seja espectador da história, que não perceba a história em sua totalidade e temporalidades múltiplas.
Obviamente, o fato de as classes dominantes quererem que a realidade e sua representação sejam conforme esboçado acima não significa que na prática tal aconteça. Vivemos numa sociedade de classes, o que significa que a história é feita, não pelas classes dominantes apenas, mas sim pelo embate material e ideológico que elas travam com as classes dominadas. Esta contradição permitirá que a realidade do ensino e, portanto, do livro didático não seja mero espelho dos interesses e visões das classes dominantes. Os professores não são meros agentes da ordem burguesa e podem trabalhar em favor dos interesses populares em sala de aula. Da mesma forma, os alunos não são massas moldáveis segundo os interesses das classes dominantes e reconstróem, à sua maneira, as mensagens veiculadas pelo LD e em tantos outros meios de difusão ideológica das classes dominantes. Os próprios autores de livros didáticos, em função de sua consciência e da organização dos trabalhadores, podem escrever livros mais críticos, em que o conhecimento apareça mais integrado e com caráter de construção.
É esta contradição que permite explicar uma série de LD favoráveis aos interesses populares ou pelo menos mais críticos das classes dominantes. É interessante observar, no entanto, que muitos autores de LD mais progressistas, apesar de combater elementos da ideologia burguesa, cometem equívocos análogos aos LD tradicionais, quando apresentam o conhecimento como pronto.
Com relação à questão proposta no título deste trabalho, creio que uma resposta satisfatória dependerá do modo como se trabalha a relação método-conteúdo. O LD, qualquer que seja a sua visão, positivista, materialista histórica, eclética (como é freqüente), poderá ser um apoio ou obstáculo ao ensino de História em função, não necessariamente apenas do seu conteúdo em si, mas do método de trabalhar este conteúdo. Um LD na linha do materialismo histórico ou qualquer outra linha mais progressista poderá ser subvertido em sua proposta se o professor trabalhar o seu conteúdo de maneira conservadora, ao, por exemplo, estimular a passividade no aluno, a memorização. Por outro lado, um LD positivista poderá, se trabalhado com um método voltado para o crescimento pessoal, intelectual e político do aluno, ser usado num sentido não previsto pelo seu autor, modificando-se, em conseqüência, o seu conteúdo. Em outras palavras, um conteúdo progressista pode se tornar conservador pelo método empregado no seu ensino, da mesma forma que um conteúdo conservador pode ser subvertido, em alguma medida pelo menos, por um método que leve o aluno, por exemplo, a fazer questões que desmontem o conteúdo conservador. Conforme lembra Tomaz Tadeu da Silva (1990, p. 64), “Quando se pensa em currículo, não se podem separar forma e conteúdo. O conteúdo está sempre envolvido numa certa forma, e os efeitos desta podem ser tão importantes quanto os comumente destacados efeitos do conteúdo... A forma em que vem embalado um determinado conteúdo estrutura o pensamento e a consciência numa determinada direção, independentemente do conteúdo que ela transmite.”
Em síntese, o livro didático deve ser compreendido apenas como um elementos do processo de ensino-aprendizagem escolar. O seu efeito real, positivo ou negativo, não está apenas no seu conteúdo, mas também no modo de utilizá-lo. As condições de ensino, a formação e remuneração do professor, a integração entre as várias disciplinas, enfim, todos os elementos do processo de ensino-aprendizagem conjugam-se para dar um ou outro sentido ao livro didático.

Referências bibliográficas

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